#Padronização #Hemostasia e Coagulação #Coagulograma #exames
No dia a dia do laboratório, aparecem casos que mais parecem quebra-cabeças hematológicos.
E hoje eu quero te contar um desses casos — real, atual, e que traz uma baita lição sobre raciocínio clínico aplicado à rotina laboratorial.
Paciente do sexo feminino, 32 anos, em preparo para cirurgia plástica.
Até aí, tudo dentro da normalidade. A única queixa clínica? Epistaxe eventual — aquele sangramento nasal que vai e volta, sem um padrão definido.
Foram solicitados: hemograma, TAP e TTP.
Os resultados? Todos normais. Contagem de plaquetas redondinha, sem alterações.
Mas... o clínico, ainda desconfiado, resolveu pedir a dosagem de todos os fatores da coagulação.
🧐 E aí vem a pergunta:
👉 Você concorda com essa conduta?
É claro que o relato de sangramento pode — e deve — acender um alerta.
Mas é aí que entra o papel do raciocínio fisiopatológico: o tipo de sangramento importa, e muito.
Epistaxe não é um sinal clássico de coagulopatia por deficiência de fatores.
Se estivéssemos falando de hematomas espontâneos, hemartroses, ou sangramentos profundos de difícil controle, aí sim os fatores da cascata estariam no centro da investigação.
Mas nesse caso? Não justifica.
O TAP e o TTP não são apenas “exames de entrada” — eles são poderosas triagens da cascata de coagulação.
E se ambos estão dentro da normalidade, temos uma informação valiosa:
✅ TAP normal → Fatores VII, X, V, II (protrombina) e fibrinogênio (I) normais
✅ TTP normal → Fatores XII, XI, IX, VIII, X, V, II, I, pré-calicreína (PK) e cofator de alta massa molecular (CAM) normais
Ou seja: a probabilidade de uma deficiência significativa de fator estar escondida ali é mínima.
Só em casos muito raros, compensações bioquímicas (como um aumento de XI equilibrando uma queda de VIII) poderiam mascarar algo — e mesmo assim, o paciente geralmente teria sintomas evidentes de coagulopatia. Não é o caso aqui.
A epistaxe isolada e esporádica é muito mais sugestiva de distúrbios plaquetários leves ou até alterações vasculares.
Pode estar relacionada a uma púrpura trombocitopênica leve, a disfunções de adesão plaquetária, ou — sejamos francos — pode simplesmente não ter causa definida.
Nesse ponto, faria mais sentido seguir a investigação com testes de agregação plaquetária, e não sair pedindo dosagem de todos os fatores da coagulação (que, além de caro, é um uso ineficiente do recurso laboratorial).
Um tempo de sangramento (TS) bem conduzido ou até uma avaliação com estudos de agregação poderiam trazer mais insights — caso o quadro clínico justificasse, claro.
Esse caso não é sobre certo ou errado.
É sobre usar o que a fisiologia nos ensina para direcionar condutas mais inteligentes.
E isso vale ouro, tanto para o clínico quanto para quem está do outro lado do laudo, no laboratório.
Se você se sente perdido na hora de fazer esse tipo de análise, respira: isso é comum.
Mas também é algo que dá pra resolver — com estudo certo e estrutura de raciocínio.
🧭 Nos nossos treinamentos, como o HemoClass HC, a gente não ensina só “o que significa cada exame”.
A gente ensina a pensar como quem vai liberar um resultado com responsabilidade — e conversar de igual pra igual com o médico.